domingo, 29 de julho de 2012

Partida de Regresso a Angra dos Reis


Amanheceu o dia 25 de fevereiro de 2012.
Pela manhã, o agito foi por conta da arrumação das malas, visto que era dia de partida. Naquela tarde, alguns partiriam para o Aeroporto de Florianópolis, e outros partiriam em direção a Ponta da Joatinga, em um rumo (042°) quase direto para Angra dos Reis, distante cerca de 350 Milhas Marítimas, o que deveria demorar cerca de quarenta e quatro horas de navegação.

Na hora prevista, desembarcamos as bagagens e os já saudosos passageiros, dando inicio a preparação para a viagem. Guardamos todos os estofados, cadeiras e outras peças móveis que poderiam provocar alguma avaria pelo barco; fechamos a tolda do Fly e completamos o tanque de consumo diário de combustível. Enquanto aguardamos a chegada de nossos passageiros ao Aeroporto; almoçamos e preparamos o espírito para partir.

A previsão do tempo vinha mudando constantemente, mas não era das piores: o mar estaria baixo, e os ventos deveriam rondar de Sudeste a Nordeste, o céu ficaria encoberto, mas sem chuvas, talvez apenas até nos afastar-mos do litoral de Santa Catarina. No ano anterior, o rabo do Furacão Arani (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=76760) nos pegou em cheio, e passamos um mal bocado neste mesmo trecho de litoral.

Quando recebemos o sinal verde, com a chegada dos passageiros em tempo para pegar o vôo, acionamos as máquinas e suspendemos a âncora. Eram 14h00 à bordo, e 15h00 em Sta Catarina, pois preferimos acertar o horario do barco, visto que naquela mesma noite terminaria o horario de verão, e estas coisas é melhor se fazer, antes de começarem os horarios de quarto. As 15h30 (fuso -3) passamos a cerca de uma milha ao Sul da Ilha do Arvoredo, num mar picado, vindo de Sueste.

Começamos a acertar nossa rotina de viagem, e a primeira dupla assumiu o que era para ser o primeiro quarto de vigilância, quando as 16h10 o Piloto Automático parou de funcionar! Colocamos o leme em manual e aguardamos por uma rápida solução, que não veio. Nosso Chefe de Máquinas fez inúmeras tentativas para colocar o sistema em operação, porém sem sucesso.

Eram 19h00 quando consideramos como esgotados os recursos de bordo, e foi determinada uma mudança nos turnos, a fim de que houvesse um revezamento por pessoa, de meia em meia hora ao leme, e de quatro em quatro horas as duplas seriam substituidas. Como eramos em cinco pessoas a bordo, a conta não fechava, e acabei ficando com dois turnos; das quatro da manhã ao meio dia, e das 16h00 a meia-noite.

No correr dos horarios, ficou patente que comparar dois relogios digitais, ou tentar estabilizar uma pequena e oscilante bússola, não era tarefa facil. Felizmente, o nosso sistema de lemes original, foi substituido por um tradicional leme hidráulico, e governar ficou muito mais facil e preciso, assim mesmo não foi nada facil. Antigamente, ele funcionava como uma chave de fazia girar o leme para um lado ou para o outro, o ângulo do leme variava de acordo com o tempo que esta chave permanecia acionada – era péssimo, as guinadas se sucediam e o esforço para se manter o barco no rumo era infinitamente maior.

As horas foram passando e como não havia outro jeito, seguimos adiante. Pilotar, dia e noite, sem pontos de referência de terra e tendo de comparar os relogios digitais que indicam o ângulo do leme e o rumo a ser seguido não é tarefa das mais faceis, pois a vista vai cansando e as imagens acabam embaralhando. Nestas horas, o sono é um de nossos maiores inimigos.

No VHF ouvimos um navio da Marinha que, todavia não se identificava pelo nome, realizando atividades de vigilância. Quando chegou nossa vez, perguntou tudo o que já aparecia na tela do AIS, mas terminou com uma pérola: o tipo de carga que transportavamos... mesmo depois que haviamos sido identificados como um Iate?! Nestas horas, da vontade de soltar uma piada, mas não é bom mexer com esta turma, afinal estavamos todos a trabalho, de noite, balançando nas vagas e longe de casa.

O Domingo, dia 26 de fevereiro passou sem grandes novidades, um pouco de sol entre muitas nuvens, quase nada para se ver ou fazer além de manter o barco no rumo. Nossa velocidade se manteve regular, na casa dos 8.5 nós (meros 16 Km/h). Ao anoitecer estavamos muitas milhas ao largo do Porto de Santos, e aguardamos um aumento no movimento de navios, mas pouca coisa aconteceu.

Assim que escureceu, pudemos perceber uma grande atividade elétrica nos lados da Capital, devia ser mais uma daquelas enormes tempestades de verão que costumam atingir o planalto nesta época do ano.

Próximo da meia-noite, a tempestade ainda não havia dado trégua e acabou nos alcançando pela popa, quando passamos ao Sul da Ilha de São Sebastião. Dentro do Canal a coisa devia estar muito, mas muito feia porque os raios eram intensos e sucessivos! As rajadas de mais de 30 nós que vinham de Sudoeste nos deram um empurrão razoável, e chegamos a quase dez nós, sem tocar nos manetes, regulados para 1.200RPM.

Segunda-feira, 27/02/12 – Chegada a Angra dos Reis

Conforme a madrugada foi avançando, a tempestade foi perdendo força e apenas restou uma aragem. Por volta das 04h00 estavamos entre as Pontas Negra e da Joatinga, e passamos nossa madrugada desviando de uma pequena frota pesqueira, com mais de dez barcos, alguns arrastando suas redes, outros realizando seguidas manobras onde provavelmente cercavam algum cardume, algo dificil de ser previsto e negociado, ainda mais sem um piloto automático para nos dar constancia no rumo.

Ao amanhecer havia apenas uma aragem, com mar calmo e céu claro, dobramos a Ponta da Joatinga, porta de entrada da baia, as 05h00. As 07h00 já estavamos por dentro da Ilha da Gipoia, e largamos o bote do reboque que seguiu à nossa frente, nesta última reta da viagem.

Num rápido balanço, devo dizer que a viagem de volta até que não foi das piores, e se não fosse este problema no Piloto Automático, teria sido muito boa, pois o tempo ajudou e o vento real não ultrapassou, na media, os 16 ou 20 nós, o que foi nada se comparado ao ano anterior, onde rajadas contrárias acima dos 45 nós, transformaram esta pequena travessia em um purgatório!

Eram 07h30 quando encerramos a manobra de atracação à Marina do Piratas, onde o Junior, gerente da mesma nos esperava com suas “Boas Vindas”!

Haviamos passado três semanas fora, e singrado 900 milhas náuticas, pouco mais de 1.600 quilometros. Fundeamos ou atracamos em uma duzia de pontos diferentes, em três estados fora do Rio. Servimos várias caipirinhas, e abrimos bons rótulos que acompanharam dezenas de refeições, em mais um pequeno cruzeiro de sucesso pelo Sul do Brasil.
Não registramos grandes avarias, apenas uma das baterias explodiu e nosso homem do convés trincou duas costelas! A bateria foi facil de resolver, mas a licença médica do tripulante nos deixou quase um mês desfalcados, o que não deixa de ser normal, neste barco ou em qualquer outro!