Amanheceu o dia 25 de fevereiro de 2012.
Pela manhã, o agito foi por conta da arrumação das malas, visto
que era dia de partida. Naquela tarde, alguns partiriam para o Aeroporto de
Florianópolis, e outros partiriam em direção a Ponta da Joatinga, em um rumo (042°)
quase direto para Angra dos Reis, distante cerca de 350 Milhas Marítimas, o que
deveria demorar cerca de quarenta e quatro horas de navegação.
Na hora prevista, desembarcamos as bagagens e os já saudosos
passageiros, dando inicio a preparação para a viagem. Guardamos todos os
estofados, cadeiras e outras peças móveis que poderiam provocar alguma avaria
pelo barco; fechamos a tolda do Fly e completamos o tanque de consumo diário de
combustível. Enquanto aguardamos a chegada de nossos passageiros ao Aeroporto;
almoçamos e preparamos o espírito para partir.
A previsão do tempo vinha mudando constantemente, mas não
era das piores: o mar estaria baixo, e os ventos deveriam rondar de Sudeste a
Nordeste, o céu ficaria encoberto, mas sem chuvas, talvez apenas até nos
afastar-mos do litoral de Santa Catarina. No ano anterior, o rabo do Furacão
Arani (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=76760)
nos pegou em cheio, e passamos um mal bocado neste mesmo trecho de litoral.
Quando recebemos o sinal verde, com a chegada dos
passageiros em tempo para pegar o vôo, acionamos as máquinas e suspendemos a
âncora. Eram 14h00 à bordo, e 15h00 em Sta Catarina, pois preferimos acertar o
horario do barco, visto que naquela mesma noite terminaria o horario de verão,
e estas coisas é melhor se fazer, antes de começarem os horarios de quarto. As
15h30 (fuso -3) passamos a cerca de uma milha ao Sul da Ilha do Arvoredo, num
mar picado, vindo de Sueste.
Começamos a acertar nossa rotina de viagem, e a primeira
dupla assumiu o que era para ser o primeiro quarto de vigilância, quando as
16h10 o Piloto Automático parou de funcionar! Colocamos o leme em manual e
aguardamos por uma rápida solução, que não veio. Nosso Chefe de Máquinas fez
inúmeras tentativas para colocar o sistema em operação, porém sem sucesso.
Eram 19h00 quando consideramos como esgotados os recursos de
bordo, e foi determinada uma mudança nos turnos, a fim de que houvesse um
revezamento por pessoa, de meia em meia hora ao leme, e de quatro em quatro
horas as duplas seriam substituidas. Como eramos em cinco pessoas a bordo, a
conta não fechava, e acabei ficando com dois turnos; das quatro da manhã ao
meio dia, e das 16h00 a meia-noite.
No correr dos horarios, ficou patente que comparar dois
relogios digitais, ou tentar estabilizar uma pequena e oscilante bússola, não
era tarefa facil. Felizmente, o nosso sistema de lemes original, foi substituido
por um tradicional leme hidráulico, e governar ficou muito mais facil e preciso,
assim mesmo não foi nada facil. Antigamente, ele funcionava como uma chave de
fazia girar o leme para um lado ou para o outro, o ângulo do leme variava de
acordo com o tempo que esta chave permanecia acionada – era péssimo, as
guinadas se sucediam e o esforço para se manter o barco no rumo era
infinitamente maior.
As horas foram passando e como não havia outro jeito, seguimos
adiante. Pilotar, dia e noite, sem pontos de referência de terra e tendo de
comparar os relogios digitais que indicam o ângulo do leme e o rumo a ser
seguido não é tarefa das mais faceis, pois a vista vai cansando e as imagens acabam
embaralhando. Nestas horas, o sono é um de nossos maiores inimigos.
No VHF ouvimos um navio da Marinha que, todavia não se
identificava pelo nome, realizando atividades de vigilância. Quando chegou
nossa vez, perguntou tudo o que já aparecia na tela do AIS, mas terminou com
uma pérola: o tipo de carga que transportavamos... mesmo depois que haviamos
sido identificados como um Iate?! Nestas horas, da vontade de soltar uma piada,
mas não é bom mexer com esta turma, afinal estavamos todos a trabalho, de
noite, balançando nas vagas e longe de casa.
O Domingo, dia 26 de fevereiro passou sem grandes novidades,
um pouco de sol entre muitas nuvens, quase nada para se ver ou fazer além de
manter o barco no rumo. Nossa velocidade se manteve regular, na casa dos 8.5 nós
(meros 16 Km/h). Ao anoitecer estavamos muitas milhas ao largo do Porto de
Santos, e aguardamos um aumento no movimento de navios, mas pouca coisa
aconteceu.
Assim que escureceu, pudemos perceber uma grande atividade
elétrica nos lados da Capital, devia ser mais uma daquelas enormes tempestades
de verão que costumam atingir o planalto nesta época do ano.
Próximo da meia-noite, a tempestade ainda não havia dado
trégua e acabou nos alcançando pela popa, quando passamos ao Sul da Ilha de São
Sebastião. Dentro do Canal a coisa devia estar muito, mas muito feia porque os
raios eram intensos e sucessivos! As rajadas de mais de 30 nós que vinham de Sudoeste
nos deram um empurrão razoável, e chegamos a quase dez nós, sem tocar nos
manetes, regulados para 1.200RPM.
Segunda-feira, 27/02/12 – Chegada a Angra dos Reis
Conforme a madrugada foi avançando, a tempestade foi
perdendo força e apenas restou uma aragem. Por volta das 04h00 estavamos entre
as Pontas Negra e da Joatinga, e passamos nossa madrugada desviando de uma
pequena frota pesqueira, com mais de dez barcos, alguns arrastando suas redes,
outros realizando seguidas manobras onde provavelmente cercavam algum cardume,
algo dificil de ser previsto e negociado, ainda mais sem um piloto automático
para nos dar constancia no rumo.
Ao amanhecer havia apenas uma aragem, com mar calmo e céu
claro, dobramos a Ponta da Joatinga, porta de entrada da baia, as 05h00. As
07h00 já estavamos por dentro da Ilha da Gipoia, e largamos o bote do reboque
que seguiu à nossa frente, nesta última reta da viagem.
Num rápido balanço, devo dizer que a viagem de volta até que
não foi das piores, e se não fosse este problema no Piloto Automático, teria
sido muito boa, pois o tempo ajudou e o vento real não ultrapassou, na media, os
16 ou 20 nós, o que foi nada se comparado ao ano anterior, onde rajadas contrárias
acima dos 45 nós, transformaram esta pequena travessia em um purgatório!
Eram 07h30 quando encerramos a manobra de atracação à Marina
do Piratas, onde o Junior, gerente da mesma nos esperava com suas “Boas Vindas”!
Haviamos passado três semanas fora, e singrado 900 milhas
náuticas, pouco mais de 1.600 quilometros. Fundeamos ou atracamos em uma duzia
de pontos diferentes, em três estados fora do Rio. Servimos várias caipirinhas,
e abrimos bons rótulos que acompanharam dezenas de refeições, em mais um
pequeno cruzeiro de sucesso pelo Sul do Brasil.
Não registramos grandes avarias, apenas uma das baterias explodiu e nosso homem do convés trincou duas costelas! A bateria foi facil de resolver, mas a licença médica do tripulante nos deixou quase um mês desfalcados, o que não deixa de ser normal, neste barco ou em qualquer outro!