quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Auxílios Virtuais a Navegação

Imagine a cena: você está navegando em aproximação a um porto qualquer deste nosso grande planeta, e sai para o convés munido de seus binóculos com a finalidade de identificar a boia que aparece na tela do seu plotter (cuja sigla tecnica é ECDIS). Voce procura... procura... procura e não encontra nada. Fica na dúvida, se os binóculos estão bem regulados, se seus olhos estão bem ou se há algum problema com o plotador e nada.

Você então percebe que está diante de um Virtual AtoN, ou Auxílio Virtual à Navegação, do inglês Virtual Aids to navigation, uma novidade que parece ter saído de alguma garagem do Vale do Silicio, mas que na realidade vem sendo implementada desde 2008 pela IMO, Organização Maritima Internacional como um bem elaborado Plano de Navegação Eletrônica. Este plano tem o aval de organizações internacionais do porte da IHO (International Hydrographic Organization), IALA (International Association of Marine Aids to Navigation and Lighthouse Authorities) e as Guardas Costeiras Norte-Americana (USCG) e Britânica (MCA), entre outras.

Numa era onde nos acostumamos a utilizar a expressão “virtual” literalmente para quase tudo, como amor virtual, sexo virtual, amigo virtual e tantas outras situações em que acabamos tendo a informação digital mais acessível do que a “palpável” por assim dizer, acabamos ganhando mais alguns elementos virtuais ao nosso vocabulário. Na realidade, se é que ainda podemos utilizar esta expressão, os novos Auxílios propostos são classificados em:

Real AIS ATON: que é um sinal de AIS transmitido por um equipamento real, posicionado no mar ou em seu perímetro, como uma boia que pode ser vista com seus olhos, identificada em sua tela ou mesmo tocada pelo seu casco (portanto cuidado);

Synthetic AIS ATON: que se trata de um sinal eletrônico de AIS transmitido por uma estação em terra, mesmo que a certa distância que, porém representa um auxilio real, como uma bóia cega, que não transmte nada, mas que é representada em sua tela;

Virtual AIS ATON: que é o caso do auxilio à navegação que aparece em sua tela do plotter ou radar, porém não existe fisicamente.

Os tradicionalistas perguntariam: qual o motivo que os levaram a desenvolver esta ideia? Geralmente as tragédias levam a estes ditos avanços. No caso, o furacão Katrina arrancou muitas das bóias localizadas nas proximidades de New Orleans em 2005, e se este sistema estivesse em uso, nenhuma bóia teria saído do lugar e as embarcações em operação de auxilio não teriam enfrentado as dificuldades que encontraram ao se aproximar de uma região rasa e sem poder se localizar, pois o próprio recorte e relevos do litoral estavam diferentes dos conhecidos antes da tragédia.

Como todo avanço criado, sempre há um contraponto que permanece pendente. Estes auxílios só podem ser detectados nos barcos equipados com AIS, e os equipamentos da Classe B, os mais utilizados nos iates em geral, podem não ter toda a condição de detectar estes sinais. Vale dizer que uma das máximas da navegação é buscar sempre a redundância de informações e suporte, portanto depender apenas de um sinal eletrônico de terra para se guiar pode ser um problema, pois falhas de energia podem tirar o transmissor do ar, um haker imbecil pode mudar os parâmetros e te botar em rumo contra um obstáculo e a própria distância ou certas condições atmosféricas podem influenciar os sinais de VHF, meio pelo qual os sinais de AIS chegam até nós, prejudicando a qualidade das informações.

De toda forma, avanços baseados em novas tecnologias devem ser vistos como mais segurança, que não seja agora, mas para o futuro. Me lembro do primeiro equipamento de navegação por satélite que tive a oportunidade de conhecer. Era um velho receptor do sistema Transit, instalado em um mineropetroleiro da Petrobras, que tinha o tamanho de uma geladeira daquelas bem antigas, e que levava quase meia hora para calcular uma posição que se aproximava cerca de 10 milhas de nossa localização real. Hoje, temos GPS de pulso, que permite uma aproximação de poucos metros.

Os avanços presenciados me fazem crer que teremos cada vez mais de nos ater às telas dos equipamentos eletrônicos de bordo, e menos ao binóculo, a alidade e a identificação visual do relevo e dos obstáculos reais colocados em nosso caminho. Algo que particularmente não me agrada, mas contra a qual não há o que se fazer, a não ser polir o velho sextante, num tipo de movimento contra-cultural, a moda dos anos sessenta (1960).

Um sabio navegador observou que “existem cinco maneiras de se resolver qualquer problema à bordo, uma delas é a maneira nova, as outras continuam funcionando” (Larry Pardey).
Verifique no site da Agencia Hidrografica Norte-Americana, a simbologia a ser utilizada nestes novos recursos em:


Em relação ao nosso litoral, na quarta edição da Carta 12000, editada pela DHN em março de 2014, não havia nenhuma informação sobre este tipo de auxílio, mas há informações que eles estudam adotar esta nova possibilidade em breve, talvez já em 2015. A Cash Computadores, que produz o software de navegaçào Nasareth, também desenvolveu programas de controle de trafego portuário, entre outros.






segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Licença Made in Brazil

Mesmo sabendo que nosso litoral tem dimensões continentais, e que muitos nunca navegaram em locais como o Rio Amazonas e seus incontáveis afluentes, ou mesmo na perigosa Lagoa dos Patos, nossos navegadores mantêm um enorme fascínio por navegar por águas internacionais, como se isto fosse mais complexo do que sobreviver aos lugares citados acima, o que às vezes não é bem verdade.

Numa de nossas viagens, enfrentei uma dificuldade até certo ponto cômica, se não fosse trágica. Foi ao dar entrada com os papéis do barco em uma minúscula Capitaneria di Porto na Itália. O Oficial de serviço quis ver a minha habilitação, e após entregá-la recebi um sonoro “questo no vale niente” (em tradução para o italhanês). Eu havia dado a ele a minha Habilitação de Capitão Amador brasileira, que por sinal vem escrita até em inglês. Porém, ele me fez uma pergunta praticamente sem resposta: Como voce pode ser o Capitão do barco, ou seja, está embarcado profissionalmente e me apresenta uma Licença de Amador? Fica difícil de responder...

Depois desta experiência, juntei um grupo de pessoas bem intensionadas, e tentamos convencer alguns oficiais da DPC (Diretoria de Postos e Costas), a reconhecer formalmente esta categoria profissional, que continua ainda envolta num manto de indefinição, a que chamo de Categoria dos Iatistas Profissionais. Nossa intensão era fazer com que a Marinha criasse o Sétimo Grupo Profissional, como já são os Marítimos (profissionais que trabalham em navios), os mergulhadores e vários outros.

Visto que nossa “força tarefa” não conseguiu sucesso, recebemos agora com grande otimismo a chegada de uma Escola franqueada pela IYT – International Yacht Training (http://www.iytworld.com/) entidade reconhecida pela MCA (British Maritime&Coastguard Agency) assim como dezenas de outras prestigiadas Marinhas ao redor do mundo, como a Norte Americana, Australiana, Canadense, Irlandesa, Ilhas Cayman, Croacia e da influente Ilhas Marshal, segundo maior porto de registro de iates do mundo.

O que isto siginifica, é que ao fazer um curso no Brasil, podemos obter uma Licença reconhecida mundialmente, a de Yacht Master, e com ela poderemos depois galgar as licenças Profissionais, a que chamam agora de Worldwilde Master Of Yachts - MOY 200 gt Limited e MOY 200gt Unlimited – o que permitiria embarcar nas mais diversas funções em iates de charter ou não, ao redor do planeta. O sistema IYT possui mais de 150 escolas reconhecidas ao redor do mundo, em 41 países e ministra cursos em seis idiomas (agora acho que sete).

Estes cursos iniciais são praticamente obrigatorios para quem almeja categorias profissionais, e no caso pedem experiência comprovada de embarque e a Carteira de Capitão Amador,
No Brasil, a Escola Náutica Azimuth de Ilhabela (http://www.escolanauticaazimuth.com.br), já esta ministrando cursos de Yachtmaster até 200 toneladas (AB) e, na seqüência poderá emitir outras habilitações destinadas a embarcações de maior tonelagem. Os cursos são ministrados em Ilhabela, mas turmas no Guarujá e Angra dos Reis já estão acontecendo.

Com esta licença, é possivel alugar barcos sem tripulação no exterior, e no caso de alguém vir a adquirir um Iate de bandeira estrangeira, não deverá enfrentar problemas com sua seguradora, visto que estas licenças são as mais bem aceitas ao redor do mundo.

Lamentavelmente, tinhamos a esperança de criar uma certificação internacional sob nossa própria bandeira, onde a nossa DPC emitiria, como de direito é, o Certificado Internacional de Competência para Iatistas Profissionais, mas acreditamos (com fé) que ela passe a reconhecer as licenças emitidas sob o padrão MCA, assim como várias outras autoridades marítimas ao redor do mundo, como comentado acima.

O que importa é galgar um padrão de habilitação internacional, e que ele permita que sejamos reconhecidos por nossa experiência e habilidades, aumentando nossas chances de trabalhar em grandes iates por todos os mares do mundo, sem sofrer restrições. Pesquisas publicadas recentemente, dizem que o mercado de Superyachts deverá criar cerca de 65.000 novos postos de trabalho ao redor do mundo, nos próximos anos.


Quem sabe, no futuro, possamos operar grandes barcos de charter, com tripulações brasileiras bem treinadas para fazê-lo, visto que a qualidade de serviços já temos, só falta treinamento, padronização e certificações reconhecidas, o que irá representar a necessária valorização da mão de obra, hoje marginalizada.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Dez Anos de Sal & Mar

No dia 29 de Setembro, o Iate/Motor Gattina completou dez anos de atividade. Seu lançamento aconteceu em uma área pouco movimentada do Porto de Santos, com apenas uns poucos participantes, visto que se tratava de uma área restrita ao público.

Depois de lançado, ele foi rebocado até uma vaga das “Malvinas”, a marina do Iate Clube de Santos, que fica no Guarujá. Após ser finalizado, seguiu para o Rio e depois Angra, sua base até os dias de hoje.




Foi apenas em Agosto de 2005 que embarquei, assumindo o comando do barco e uma missão, fazê-lo funcionar de acordo com os desejos de seu proprietario e prepara-lo para grandes viagens. De lá para cá, cruzamos cerca de 39.000 milhas náuticas, mais de 70.000 km, tendo mantido acionados seus motores por cerca de 5.000 horas. Não há como somar os milhares de litros de diesel e lubrificantes, assim como os filtros trocados e outros componentes. Não há como estimar o número de refeições, as rolhas liberadas dos gargalos, os dias de sol ou as tormentas e mares encapelados (foram muitos) que enfrentamos. Podemos sim, ter uma ideia dos portos por onte passou e as lembranças que deles guardamos.

Abaixo, publico um resumo de todas nossas principais viagens, ano a ano, de forma a dar uma ideia do que foram estes últimos dez anos, registrando que estamos aptos, como sempre, a colocar a proa para qualquer destes destinos, seguindo para mais um longo período de travessias e experiências.

2005: Primeiro teste: Recife e Fernando de Noronha
Angra – Rio de Janeiro – Recife – Fernando de Noronha – Recife – Salvador e Recôncavo – Morro de São Paulo – Salvador – Angra dos Reis.

2006: Bate-e-Volta à Europa
Angra – Rio de Janeiro – Recife – Mindelo (Cabo Verde) – Gran Canaria (Ilhas Canarias) – Villamoura (Portugal) – Rota (Espanha) – Gibraltar – Benalmadena – Almeria - Cartagena – Palma de Mallorca, Ibiza, Formentera e Menorca nas Baleares – Alghero, Carloforte em San Pietro e Cagliari na Sardenha – Palermo - Favignana – Lampedusa – Siracusa – Carloforte em San Pietro – Cartagena – Gibraltar – Gran Canária - Mindelo – Fernando de Noronha – Recife – Vitoria – Abraão e Marina do Piratas em Angra dos Reis.

2007: Salvador e Recôncavo
Angra – Rio – Vitória – Caravelas – Abrolhos – Camamu e Maraú – Morro de São Paulo – Salvador e Recôncavo – Angra dos Reis.

2008: Caribe
Angra – Rio – Fortaleza – Grenada – St. Vincent - Union Island – Bequia – St. Lucia – Martinica – Dominica – St. Maarten.

2009: Caribe + Flórida + Europa Mediterrânea e Regresso ao Brasil
St. Barth – St. Marteen - St. Thomas – Tortola – Norman Isl. – Virgin Gorda – Soper’s Hole – St. Thomas – Virgin Gorda – Soper’s Hole - Puerto Rico – Puerto Plata na Republica Dominicana – Great Inagua, Hogsy Reef, Clarence Town, Great Exuma e Nassau nas Bahamas – Fort Lauderdale. Neste último, embarcamos nosso casco no Dockwise SuperServant IV, com destino a  Toulon na França Mediterrânea – Poqueroles - St. Tropez – St. Raphael – Baie D’Agay – Calvi, Ajaccio, Bonifacio e St. Laurent na Córsega – Villefranche Sur Mer - Nice – Sanremo – Genova – La Spezia – Rapallo – Genova – Nice – Genova – Portofino – Isola Palmaria – Portovenere – Punta Mezzana – Viareggio – St. Stefano – Elba – Roma Ostia – Gaeta – Ponza – Ischia – Procida – Capri – Faraglioni – Amalfi – Positano – Nerone – Gaeta – Roma Ostia – Gibraltar – Gran Canária – Mindelo – Salvador (singramos 10 dias initerruptos, cumprindo 2070 MN) – Rio de Janeiro – Angra dos Reis.

2010: Fernando de Noronha
Angra – Rio – Salvador – Suape – Cabedelo – Natal – Fernando de Noronha – Natal – Salvador e Recôncavo – Morro de São Paulo – Cayru – Camamu e Maraú – Ilhéus – Sto André de Cabrália – Caravelas – Vitória – Rio de Janeiro – Angra dos Reis.

2011: Florianópolis + Regata dos Clássicos em Búzios
Angra – Rio de Janeiro – Parati – Ubatuba – Ilhabela – Ilhas – Guarujá – Paranaguá – São Francisco do Sul – Joinville – Porto Belo – Florianópolis – Angra dos Reis. Angra – Rio de Janeiro – Cabo Frio – Buzios – Rio – Angra.

2012: Florianópolis + Viagem para Guarujá
Angra dos Reis – Ilhabela - Paranaguá – São Francisco do Sul – Porto Belo – Florianópolis – Angra dos Reis.

2013: Salvador
Angra dos Reis - Rio de Janeiro – Salvador – Recôncavo – Morro de São Paulo e Cayru – Camamu e Maraú – Ilhéus – Sto André de Cabrália – Caravelas - Abrolhos – Vitória – Rio de Janeiro – Angra dos Reis.

Olhando assim, na base da lista, parece até uma lista de escalas de um navio de passageiros, mas não foi este o caso, e muitas experiências foram vividas de forma intensa em cada uma destas escalas.

Poucos iates no Brasil tem estas historias para contar, e com raras exceções a maioria nunca navegou além do eixo Rio-Santos, abrindo mão de conhecer nossa Baia de briza morna, chamada de Todos os Santos, ou indo degustar as frescas ostras do litoral catarinense, retiradas de seus flutuantes, bem ao lado do barco.
Espero que a imaginação do leitor o leve para além dos destinos costumeiros, e abra sua mente para novos rumos e experiências.




sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Mordomia Sem Limites

Sabemos que o Iatismo é um dos tipos de lazer mais caros que existem, e a partir de certo ponto passa a ser realmente considerado um luxo. Para que esta forma de lazer lhe traga todo o conforto e bem estar que seu dinheiro possa comprar, é necessário que além do barco, tenha a quantidade de tripulantes que permita a operação não só do barco, no sentido de ir e vir e ser bem conservado, como o serviço de bordo precisa atender a todas suas necessidades, quer seja no dia a dia como no próprio status de possuir um barco, ou que ele represente seu modo de vida, em relação a sua familia, amigos e seus iguais do mundo dos negócios.

Pode parecer algo futil e desnecessário, mas quem não gostaria de estacionar uma bela Ferrari à porta do seu restaurante preferido? Assim é com o iatismo de forma geral. Ou as pessoas vão à conhecida “Praia do Dentista” no sábado de Carnaval apenas pelo lindo visual da Gipóia ou o som das ondas quebrando na praia? Quem conhece o lugar, sabe que o som percebido é apenas o de milhares de decibéis de som emitido por dezenas de barcos diferentes ao mesmo tempo, num quadro de caos total, onde cada um exibe o barco que possui, seu modo de vida, suas belas companhias e o que bebe a bordo.

Portanto, para que se possa desfrutar da vida de bordo, e me refiro a um calmo final de semana, numa enseada tranquila e semi-deserta, onde o canto dos pássaros ainda possa ser ouvido em harmonia com a natureza, necessitamos aproveitar ao máximo nosso tempo a bordo, sem que tenhamos de sair da água para buscar o que comer e beber, ou se resolvermos passear de SUP, que não tenhamos de inflá-lo e carrega-lo até a popa do barco, e para isto a tripulação é a grande ferramenta para que tudo aconteça da melhor maneira possível.

Nas embarcações de menor porte, muitas vezes não existem tripulantes fixos, e o proprietário pilota o próprio barco, utilizando a família e os amigos como tripulantes. Muitas vezes contrata pessoas para realizar a limpeza do barco durante os períodos de inatividade, quando o mesmo não é feito pela marina onde guarda o barco. O serviço de bordo se restringe a uma ou duas geleiras abastecidas de bebida e comida prontas, alguns embutidos e um espumante para o cair da tarde.

Conforme cresce o porte do barco, a necessidade de manutenção e limpeza permanentes obriga que se tenha um responsável, a quem se chama genericamente de “marinheiro”. Este único tripulante cuida de um barco de trinta e poucos pés, mas às vezes alguns bem maiores do que isto, atendendo solitariamente a quantas pessoas vierem a participar do passeio. Portanto, a relação: Passageiro X Tripulante, ainda é negativa.

Conforme o barco passa a ser considerado um Iate, digamos a partir dos 60 pés, um padrão melhor de profissional passa a ser necessário, e os tripulantes “ajudante”, não são mais um luxo e sim uma necessidade, sendo dois o seu número ideal. Portanto, o número de tripulantes mais do que dobra dos 30 para os 60 pés, passando a relação a ficar em torno de seis Passageiros para três tripulantes, ou 2 X 1.

Na casa dos 80 pés, três (bons) tripulantes são minimamente necessários. Um Capitão, um ou dois Auxiliares de Convés e outro Interno, que faça a arrumação de todos os ambientes e cabines e ainda cuide da cozinha.  Quando o barco chega aos 90 ou 100 pés, quatro passa a ser o número mínimo de tripulantes, pois as manobras são mais complexas, o serviço de bordo passa a exigir mais qualidade e eficiência e com um barco mais confortavel, chegam equipamentos mais sofisticados e um homem que atue como “coringa”, cuidando da manutenção e apoiando as outras áreas se torne necessário, a relação se mantem estável, pois um barco destes comporta mais passageiros, e temos 10 ou 12 passageiros para quatro tripulantes, ou simplificando três para cada um, e a piora nos serviços é inevitável a não ser que tenhamos um quinto tripulante, para os dias de barco cheio.

Conforme o barco cresce, e chegamos aos 120 ou 140 pés, a categoria dos Superyachts, este número praticamente dobra e cerca de oito ou nove tripulantes ganham serventia. Um Capitão, um Chefe de Máquinas ou Encarregado de Manutenção, como queira. Um cozinheiro, um Auxiliar de Copa e Bar, duas pessoas para arrumação interna, dois ou três para o Convés e barcos de apoio.

Subindo mais um degrau na escala do Iatismo, chegamos ao Megayachts, algo em torno dos 160 a 180 pés; aqui a relação empata ou se torna positiva, pois apenas doze convidados são atendidos por um mínimo de 16 tripulantes. Devemos levar em consideração, que muitos destes barcos operam em Charter, portanto o grau de exigência é muito maior, e nenhuma falha de serviço pode e será tolerada por alguém que esta pagando uma pequena fortuna por dia de uso de um barco. Mesmo que assim não fosse, não há Armador que invista em seu prazer tanto quanto o necessário para ter um barco destes, que se conforme com nada menos do que a perfeição.

Agora, se quiser saber como os aproximadamente quarenta afortunados do planeta, que possuem barcos acima das 3.000 toneladas de arqueação (>300 pés de comprimento) vivem? Saiba que apesar das dimensões, transportam apenas doze passageiros, e que o número de tripulantes que os atende, bate (fácil) a casa dos cinquenta. Voce leu corretamente, nestes barcos a relação é de quatro (4) tripulantes para cada passageiro, e isto se chama “literalmente” levar uma vida de Rei! Não raramente, este número pode chegar ao dobro, dependendo do calibre do Armador, padrão “Rei da Arábia Saudita”.

Alguns dos proprietários de Gigayachts, não tem apenas um barco e costumam organizar escritórios para administrar sua pequena frota de Iates, que selecionam, contratam e distratam tripulantes. Cuidam das escalas de férias, dos salários, auxílios vários, fornecimento de uniformes, passagens e traslado destes, além de todas as obrigações trabalhistas necessárias. Um exemplo é o da centena de tripulantes contratados pela Golden Fleet, constituida de três barcos, um gigayacht de 80 metros (262 pés), um Trawler de 67 metros (219 pés), que transporta inúmeros brinquedos e barcos de apoio, incluindo um pequeno hidroavião, e um barco de 29 metros (96 pés) destinado exclusivamente a pesca esportiva.

Sabemos porém, que não estamos tratando de uma ciência exata, e que as estruturas variam de barco para barco. O número de tripulantes vai depender do grau de envolvimento do proprietário na dia a dia do barco, do padrão de serviço que ele deseja para si, do número, finalidade e padrão de convidados que pretende receber, o local onde vai navegar e muito mais, sem falar principalmente na disponibilidade de capital para fazê-lo.

Voltarei a este inebriante assunto, e de preferência para nossas próprias águas, onde este tipo de embarcação aparece muitíssimo raramente. Veremos os motivos que levam estes afortunados, a se afastar de nossas águas. Bons e maus motivos não faltam, infelizmente.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Ave Rara

Uma ótima notícia chegou da Austrália! Pode parecer estranho, mas o escritório de nosso maior Projetista Naval fica na distante Australia, onde o casal Astrid e Luis Gouvea mantém os endereços da B&G e Roberto Barros Yacht Design, filha e genro do “Cabinho” trabalham do outro lado do nosso hemisferio, projetando e comercializando copias de projetos de uma infinidade de barcos, em sua grande maioria de cruzeiro, sejam a vela (sua tradição) ou a motor, algo mais recente, mas não menos importante.

Ainda consideramos os Barcos de Cruzeiro a Motor, “aves raras” do mercado brasileiro, onde lançamentos anuais de barcos novos são contados em poucos dedos de uma única mão, enquanto que as lanchas abarrotam as marinas de nosso litoral. Uma grata notícia foi a entrega pelo Estaleiro Flab de Campinas, de um Trawler de 46 pés, o Rainha Jannota.

O proprietario publicou em um site de arquivos fotograficos (http://www.flickr.com/photos/rainha_jannota/ ), uma enorme quantidade de fotos, onde cada detalhe do barco aparece, em belas e completas imagens. Acredito que esta verdadeira exposição possa ajudar os afixionados a encontrar soluções para seus problemas, verificando as instalações e a ampla área de convivência. Acostumado a ver proprietários retirando seus barcos de estaleiros, quase na marra, foi muito legal verificar a alegria deste proprietário e a paixão explicita pelo barco. Devo dizer que a Flab esta de parabéns, quer seja pelo produto entregue, quer seja pela maneira que recebemos a noticia 

Este mesmo Estaleiro já lançou outros barcos, do tipo Trawler, entre os 25 e este 46, seu maior modelo produzido até o momento. Fora a linha de barcos a motor, eles produzem vários veleiros de cruzeiro e até mesmo uma lancha. Sinceramente, espero que possamos ver mais e mais lançamentos de barcos, tão bem documentados como este.


Permitam-me concluir que ainda não conheço o dono do barco, e nem o do estaleiro. Porém mantenho uma admiração pelo trabalho da “Familia Cabinho”, cujo histórico é mais do que um motivo de orgulho nacional, visto que mesmo exportados, continuam produzindo em nosso nome, o que muito nos orgulha.

sábado, 9 de agosto de 2014

SSB or not SSB…

Voltando vários anos atras em nossa dita “era eletrônica”, lembramos que no passado as comunicações não eram nada parecidas com o que tempos hoje, à nossa disposição. Como sempre falamos nos barcos, temos que o VHF era a principal ferramenta de comunicação, e que enfrentávamos filas de espera enormes, para conseguir uma mísera chamada a cobrar para um número fixo em terra. Além do nome do barco e do prefixo, as estações costeiras pediam o QRC, ou código de cobrança, para o caso da ligação ser paga pelo dono do barco. Após aguardar horas, conseguíamos realizar uma chamada, bastante clara por sinal, onde não somente nós participávamos da ligação, mas também quem quizesse ouvir pelo menos um dos interlocutores... sem comentários.

Outra opção, mais utilizada quando nos afastávamos da costa, era o SSB, do inglês Single Side Band, também conhecido por HF no Brasil, ou Radio de Alta Frequência, derivado do inglês Higth Frequency. Estes caros equipamentos eram extremamente restritos a uns poucos canais, visto que ainda utilizavam cristais para realizar a modulação de cada frequência, além de consumir uma barbaridade de energia. Com o tempo, criaram os radios sintetizados, que permitiam sintonizar qualquer frequência com apenas um cristal, e também foram criados canais padronizados no mundo todo. O Brasil, como não poderia deixar de ser, além de ter deixado de exportar os cristais que produzíamos, acabou adotando frequências que não fazem parte do que se tornou o padrão internacional de comunicação. Com isto, quando compramos um caro e moderno SSB novinho, descobrimos que os Iate Clubes não operam nas frequências padronizadas, e precisamos pagar também pelo “destravamento” das frequências, permitindo que passemos a operar em canais, digamos, até certo ponto irregulares.

Quem já teve a oportunidade de falar em um radio destes antigos, sabe que às vezes se consegue uma chamada muito boa, outras vezes é como se mantivesse um diálogo com o Pato Donald. Tenho lembranças boas e ruins destes tempos, quer seja quando tentei conversar com minha familia, na viagem de regresso de uma ida ao Japão em um navio da Petrobras, quer seja quando meus tripulantes falavam com o operador Flavio do ICRJ (PYE-21) todos os finais de tarde de uma travessia de veleiro do Rio a Flórida, para saber sobre o capítulo da novela do dia anterior, enquanto isto Salomão Hayala e Odete Roitmann tomavam chá em algum lugar da TV, pois sinceramente não me lembro que novela eles acompanham tão febrilmente.
Hoje, o SSB gera uma fonte de receita para os importadores e uma fonte de apurrinhão para os donos de barcos, pois seu uso é praticamente nulo a bordo. Proprietários de barcos mais abastados e modernos preferem investir em um equipamento de comunicação via satélite, como o Inmarsat-C do que em um radio de operação complicada e que sua eficiência depende da propagação de um sinal lançado a esmo na atmosfera. É bem verdade que no exterior, os cruzeiristas fazem um grande uso destes equipamentos, e que as chamadas “Rodas dos Navegadores”, onde estações terrestres prestam apoio (às vezes remunerado) a barcos que realizam longas travessias, e tem nessa rede de estações apoio para receber boletins e previsões meteorológicas, resolver problemas mecânicos simples, conseguir informações sobre portos e agendar possiveis reparos e peças com antecedência. Fora isto, existe provedores que enviam mapas meteorológicos e ainda operam caixas postais de internet via SSB, abrindo um enorme leque de opções.

Após o advento do GMDSS, que é o atual sistema de chamada de socorro, estes mesmos radios receberam acessórios ligados a segurança, como interface com o GPS e o botão de chamada de socorro (Distress), que infelizmente não foi adotado por nossas autoridades. Cabe aqui uma pequena observação, não se consegue entender o porquê do Brasil simplesmente não cumprir certos acordos internacionais dos quais é signatário, como o fato das estações costeiras do Brasil não possuírem equipamentos para operar este sistema, diga-se implementado mundialmente e negligenciado por nós, como Estado.
Voltando ao SSB, fica a dúvida, se deveríamos manter estes equipamentos como exigência para barcos que naveguem para o Alto Mar, como manda a Normam03, ou se deveríamos deixá-lo como opção para os mais aventureiros, permitindo que pudéssemos substituí-lo por uma tecnologia mais eficiente como a satelital. Não que o custo seja menor, ainda não o é, mas tem sim, maiores possibilidades que as ditas aleatórias frequências de radio.

O INMARSAT-C possui o tal botão Distress, mas a recepção de seu pedido de socorro, se faz por uma rede internacional de monitoramento, que rastreia os satélites Cospas-Sarsat e seu pedido será passado diretamente aos órgãos competentes, sem depender da boa vontade de uma multinacional de telecomunicações, que não vê sentido em atender assuntos de bem estar público, que não geram lucro para suas matrizes. Neste equipamento, é possivel receber boletins de tempo, avisos de segurança, avisos aos navegantes e ainda realizar o trekking do barco em travessias. As comunicações, através de email também são possíveis, mas seu custo proibitivo para qualquer mensagem que não seja realmente importante.

De certa forma, o Brasil já deixou de lado o NAVTEX, um serviço do qual (mais uma vez) fomos signatários, e que nunca fizemos funcionar; em troca do INMARSAT-C, pois nossas autoridades concluiram que é melhor ter um equipamento via satelite do que algo que utiliza estações costerias para transmissão, sendo o Brasil um dos poucos países do mundo onde as comunicações de segurança não são prestadas por um orgão público, seja civil ou militar. O NAVTEX traria grandes vantagens aos navegadores ditos de menor poder aquisitivo, pois tem quase o mesmo leque de serviços, menos o envio/recepção de mensagens, e tem um custo muito mais adequado a embarcações de menor porte, como a quase totalidade de nossa frota pesqueira profissional, além dos veleiros e lanchas que cruzam nosso imenso e quase inóspito litoral.


A Marinha do Brasil e a ANATEL caberia pressionar a operadora da Rede Radio Costeira, antigamente a EMBRATEL, para que atenda ao GMDSS, ou nos dispense de ter de adquirir equipamentos que, simplesmente não funcionam como deveriam em nosso proprio litoral. Numa grossa comparação, de nada adianta chamar pelo apito, se o vigilante é surdo!

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Chegou o Inverno! Esfriou? Então é hora de… navegar!

Artigos inspirados em publicações estrangeiras, geralmente colocam em pauta uma matéria que aconselha as pessoas a docarem seus barcos nesta época, realizando reparos e outras atividades que mantem o barco e seus navegadores longe do mar.

Meu ponto de vista é contrario a eles. Prego que o Inverno é uma das melhores épocas para se navegar, pois com um número menor de barcos, veleiros e Barcos de Cruzerio a Motor, tem a possibilidade de navegar em paz, sem ter de enfrentar marolas causadas por lanchas rápidas e mal-educadas, ou a bagunça causada por gente fundeada nas proximidades com o som nas alturas, além de outros exageros de que somos vítimas durante a época mais “quente” do ano, em todos os sentidos.

Podem dizer que o tempo piora, e isto é verdade até certo ponto, pois as Frentes Frias são bem previsíveis nos bons mapas meteorológicos, e podemos nos preparar antecipadamente, procurando um bom abrigo e realizando um cuidadoso e bem seguro fundeio.  Quando a frontal chegar, voce vai estar deitado com um livro no colo e um chocolate na caneca, e não vai ter de enfrentar uma tempestade de verão em um final de tarde, que chega sem aviso e sem noção, com fortes rajadas ciclônicas, que jogam o barco num círculo de vento, que te arrasta em qualquer direção.
No inverno, o sol é mais amigo, e o barco não fica tão quente. As noites são frias, e os cobertores ganham a vez de trazer aconchego, pois no verão nem o ar condicionado resolve, como o verão de 2014, que foi dos mais rigorosos da história. Antes dele, usávamos a expressão “rigor”, apenas para o inverno, mas este ano a coisa foi alucinante.

Porém, se não fazemos os reparos agora, quando iremos colocar o barco em ordem? Eu aconselho que o faça na Primavera, uma estação bonita no nome e que lembra abelhas voando de flor em flor, mas no mar a coisa fica realmente confusa. As frentes que no Inverno obedecem a uma ordem natural e previsível, na Primavera surgem aleatória e seguidamente de qualquer ponto do litoral Sul, ganhando velocidades ciclônicas, e lançando ressacas imensas sobre nossa costa, tornando o ato de navegar em um, quase, sofrimento.

Dizer que todo o nosso litoral é bom no inverno não é correto, pois nossa costa Nordeste sofre com fortes ventos e chuvas; ressacas inacreditáveis invadem a Baia de Todos os Santos e ventos como o Pampeiro, o Minuano e o perigoso Carpinteiro, atazanam com a vida dos gauchos e catarinenses, os pobres pescadores profissionais que o digam. Porém, na região da Baia da Ilha Grande, voce tem como aproveitar, sem grande estresse, os excelentes abrigos encontrados em locais como Paraty-Mirim, Saco do Céu e Sitio Forte, além de outras enseadas menos cotadas, porém muito protegidas não só pelo abrigo do vento, mas pela qualidade da tensa (fundo do mar) que é muitas vezes de lama, e segura a ancora como num grude salvador.

Nesta época, além das vantagens já mencionadas, encontramos vagas nas excelentes marinas da região, com o fim do defeso  do camarão rosa o cardapio recebe um reforço muito benvindo e o clima, se não pede uma calefação, certamente acata bem uma sopinha e uma garrafa de um bom vinho.

Faz quase trinta anos que navego profissionalmente, e poucos lugares dentre os que eu conheço se aproximam ou se assemelham a Baia da Ilha Grande, quer seja como beleza natural, quer seja como o excelente recorte do litoral ou mesmo a profundidade média e qualidade da água ou da já comentada tensa.

Se for navegar em Angra, esteja certo de que se estiver chovendo, o azar será todo da chuva!

Navegue por prazer,

Navegue com prazer,


Navegue o ano todo!

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Barcos para que te quero?!

Este texto, foi publicado originalmente em minha nova coluna no Portal da Revista Nautica (http://www.nautica.com.br/author/alvaro-otranto/) que irá tratar dos mesmos assuntos abordados por este blog, que deverá agora ser mais dedicado aos profissionais do Iatismo nacional.

Sabemos que os barcos já eram utilizados pelos seres humanos desde a pré-historia, quando pedaços de madeira foram unidos por cipós e se transformaram nas primeiras embarcações “construidas” de que temos notícia. Atualmente, processos ainda primitivos de escavamento de enormes troncos de árvores, são preparados com fogo e ferramenas rústicas, para fins de navegação, como os encontrados em várias partes do mundo, notamente por aqui mesmo.

A princípio, estas embarcações foram construidas com a finalidade de alcançar comida em outras localidades, somente acessíveis por mar ou isoladas por braços de rios ou algum espelho de água. Hoje em dia, embarcações gigantescas cruzam os mares em altas velocidades, transportando todo o tipo de carga, sejam combustíveis, alimentos, insumos e mesmo pessoas. O Iatismo, como sabemos, utiliza o barco como forma de prazer e satisfação, e divido as duas, pois o prazer é trazido pela beleza das paisagens, o sabor da comida e a qualidade dos serviços de bordo, mas a satisfação é algo mais abrangente, que se alcança pelo conjunto das atividades praticadas, o ambiente, a companhia e até mesmo o status que vem com o ter uma embarcação aqui chamada de esporte-e-recreio, mas que não traduz devidamente a feliz expressão inglesa: pleasure boat.

Como defensor das embarcações de cruzeiro, sejam elas a vela ou a motor, ergo aqui a bandeira de que o prazer precisa ser lento, pois se prolonga, e me perdoem a analogia capciosa, mas uma noite inteira de amor é bem melhor do que um encontro passageiro, do tipo “rapidinha”. O prazer de navegar vagarosamente, por baias e enseadas é intenso, pois permite que se desfrute de cada ângulo e detalhe. Quando cruzamos em alta velocidade, recebemos uma descarga de adrenalina muitas vezes descessária, pois o que se busca em um final de semana ou passeio de barco é o relaxamento e não a continuação da vida atribulada de uma grande cidade.

Este espaço será dedicado a idealizar, projetar, organizar e preparar um Barco de Cruzeiro a Motor destinado a acolher pessoas que pretendam realizar viagens ou mesmo morar a bordo de uma embarcação confortável e segura, que utilize a propulsão mecânica. Porém, que fique claro que desde o inicio deste tipo de navegação “amadora” a vela e os motores sempre estiveram juntos, e por muito tempo os barcos de propulsão mista foram os mais numerosos. Ainda hoje, os barcos do tipo Passagemaker utilizam uma pequena vela, seja para dar uma certa estabilidade como para auxiliar e economizar combustível em longas pernadas de ventos favoráveis. Não iremos considerar os velejadores como concorrentes, lutando pela mesma enseada, mas parceiros de modo de vida, que utilizam métodos diferentes para alcançar a mesma finalidade, que é viver a vida da melhor maneira possivel!

Barcos a vela têm suas vantagens, como o uso de propulsão limpa e até certo ponto infinita, mas o esforço físico necessário nas manobras, o desconforto de se navegar com o barco adernado por vários dias, o cozinhar e comer numa gangorra e ter de chamar seu banheiro de “camara de torturas” é algo duro, sem mencionar o lugar comum, conhecido por todos os que navegam:

“Um veleiro não sabe exatamente quando deixará um porto, e não tem a mínima ideia de quando chegara a seu destino”.

Pregamos aqui, um modo de navegar grandes distâncias, sem precisar da escolta de um navio-tanque, podendo programar suas partidas e chegadas com um mínimo de precisão, e desfrutando da maioria dos confortos da vida moderna, evidentemente obedecendo ao poder aquisitivo de cada proprietário de embarcação. No correr dos artigos, iremos notar que as semelhanças entre os barcos a vela ou a motor de Cruzeiro, obedecem a uma certa lógica comum e que a tradição de um pode auxiliar o outro a melhor se adaptar as dificuldades do dia-a-dia a bordo de um barco.

Adiante Navegando, será nosso lema e nosso destino!

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

VHF - Canal Ocupado


Quem ainda não se deparou, com pessoas de língua estranha, provavelmente chinês ou coreano, entupindo a frequência no Canal 68 do seu rádio VHF?

Na Baía da Guanabara notadamente, os operadores do Eco-21 e E-37, Iate Clube do Rio de Janeiro e Marina da Glória, respectivamente, tentam liberar a frequência, utilizada no Brasil pelo Iatismo, o problema é que esta não é uma regra geral e os rádios produzidos para o mercado Norte-americano ajudam a complicar as coisas.

Sabemos que nossos “irmãos do Norte” dominam o mercado náutico mundial.  Para se ter uma ideia, havia 12,5 milhões de barcos registrados em 2011, enquanto que no Brasil não passávamos de 400 mil, nesta mesma época. Portanto algumas regras que eles determinam, acabam influenciando os fabricantes de equipamentos, e esforços de poucos não costumam fazer frente ao gigantesco apelo do mercado americano.

A ITU, (International Telecommunication Union) é um órgão da ONU que orienta sobre as telecomunicações no mundo, mas isto acontece de forma diferente em cada país. Como exemplo, a FCC (Federal Communications Commision) a ANATEL dos Estados Unidos, determina o uso das frequências de maneira diferente de outros países.

Na prática, se você ligar um rádio VHF, irá verificar que no display, além do número do canal, aparece embaixo uma “colinha”, indicando qual a finalidade do canal em uso, porém esta indicação pode variar de fabricante para fabricante e depende até do país para que foi produzido, notadamente os EUA.

De todas as possíveis variáveis, alguns canais são internacionalmente respeitados. No Canal 16 aparece sempre “Calling” por ser o Canal Internacional de Chamada; assim como no canal 70 vai aparecer DCS, um canal destinado exclusivamente as chamadas Digitais Seletivas, que faz parte do sistema GMDSS, e permite que se chame uma determinada embarcação, como se fosse uma chamada de celular, utilizando-se o MMSI, um número que identifica cada estação.

Outros canais não são tão respeitados. O Canal 06, reservado a comunicações de segurança e resgate, ou o Canal 13 que pode ser utilizado apenas entre as pontes de navios que estejam realizando entrada ou saída nos portos, mas muitas pessoas não têm sequer ideia disto. No Brasil os navios costumam utilizar o Canal 14 para comunicação interna entre as estações de manobra, assim como a Praticagem costuma utilizar o Canal 11, mas nenhuma destas regras é de uso ou conhecimento geral, e muita confusão acontece no ar.

Agora, quando seguimos para o Canal 68, nos deparamos com a indicação “Ship-Ship”, ou seja, destinada a comunicação entre navios, ficando reservados para “Pleasure” (Recreio), os canais 69 e 71. Com isto se forma uma confusão local, pois muitos dos Iate Clubes no Brasil, utilizam tradicionalmente os canais 68 para chamada e 69 para tráfego, entre suas estações costeiras de apoio e os barcos afiliados ou não. Porém, os navios utilizam o Canal 68 para comunicação entre navios, e é muito comum que os oficiais façam uso desta frequência para “colocar o assunto em dia” com colegas conterrâneos, ou mesmo para trocar qualquer tipo de informação. Um verdadeiro canal de “bate-papo”.

No passado, contávamos com a Dentel, uma espécie de Delegacia das Telecomunicações, que não só ordenava o uso das telecomunicações em nosso litoral, mas também as fiscalizava, com força de polícia, contando com estações rastreadoras portáteis e atuando na limpeza das frequências, absurdamente utilizada por alguns. Sem falar nas estações de radio clandestinas, que prejudicam o seríssimo tráfego de radio entre aviões e aeroportos, mas vou me ater apenas ao uso marítimo.

Certa vez, em Angra, ouvi um restaurante fazendo propaganda de seu cardápio especial do Dia das Mães, no Canal 16 do VHF. Neste caso, havia várias infrações gritantes:

·          A Operadora não era licenciada, caso contrário saberia que não se pode utilizar o VHF para propaganda;

·          Fazer propaganda no VHF, como dito, é proibido – no canal 16 então? Um absurdo!

·          A Estação era clandestina, pois ficava numa ilha e pertencia a um restaurante, e não a uma embarcação;

·          Esta pouca gente percebeu no dia, mas apregoar que seus pratos seriam preparados com “camarões frescos”, durante o período do defeso do valioso crustáceo, também é indício de crime ecológico. Uma lambança!

Outra má recordação de uma determinada época na Baía da Ilha Grande era a do conhecido “Jacaré Cabeludo”, uma pessoa que invadia o Canal 68 com transmissões agressivas e cheias de palavrões, me lembro bem de um dia, em que uma forte tormenta de Sudoeste atingiu a região, e um veleiro em perigo não conseguia pedir socorro devido à incessante transmissão do referido operador. Conta a lenda que ele foi localizado, demitido do barco e expulso da marina em que trabalhava, mas ninguém sabe ao certo de quem se tratava. Não deixando saudades.

Transmissões ofensivas são uma constante no Canal 16 em plena Baia da Guanabara, frequência praticamente impossivel de ser utilizada naquela área, e apenas uma ação nos moldes do antigo Dentel poderia reverter o quadro de desrespeito e irresponsabilidade que invade nossas frequências.

Quanto ao uso do Canal 68 pelos pobres e saudosos tripulantes dos navios, não há muito a fazer, pois remamos contra a maré e seria mais fácil adotar o que quase o mundo todo faz, passando a operar nos canais “Pleasure”, 69 e 71 e acabando com uma contenda desnecessária.