Estava eu
cuidando de minha própria vida, quando ao verificar minha Caixa Postal bati os
olhos em um E-mail despretensioso, sem grandes apelos e que quase deixei de
ler, pois parecia uma daquelas mensagens de propaganda. Porém, acabei lendo e
para minha surpresa, se tratava de um convite para um evento na Itália.
De outras
vezes, já havia sido convidado para encontros paralelos a Boat Shows, mas desta
vez era para um Fórum independente. Respondi educadamente, agradecendo, pois,
estava no Brasil e compreendi que o convite era para Comandantes nas
proximidades.
Para
minha surpresa, no dia seguinte recebi outra mensagem confirmando o convite, e
que todas as despesas seriam pagas pelos organizadores, incluindo a passagem de
ida e volta para Viareggio, além da hospedagem, traslado e alimentação.
Após uma
consulta ao meu empregador, fui liberado a participar do evento e um mês depois
eu estava arrastando mala no Galeão. Como sorte pouca é bobagem, ganhei upgrade e fui para a Europa de Business da Luftansa... sem comentários,
por favor.
Bem,
falei do milagre, mas não disse nada sobre o Santo. O evento foi o YARE 2017,
um encontro de Comandantes de Superyachts
patrocinado pelo Governo da Região Toscana e das províncias de Lucca, La Spezia
e Carrara, juntamente com todos os principais estaleiros dedicados a reformas,
visto que era esta a finalidade do encontro, criar um networking de Comandantes e prestadores de serviços, visando trazer
negócios para a região.
Evidentemente,
o Iate que comando estava bem deslocado, seja devido a distante localização,
seja pelo tamanho. Noventa pés é um tamanho de barco bastante considerável no
Brasil, mas no Mediterrâneo era apenas um bote. Meus colegas comandavam, em sua
grande maioria, Iates de Charter de 40 a 70 metros de comprimento. Encontrei alguns
ingleses, muitos Ucranianos, Russos e Croatas, pois os barcos alugados para
clientes russos estão em alta na região. Poucos norte-americanos e canadenses, assim
como espanhóis e alguns poucos exóticos como eu, um libanês, uma única mulher
comandante dinamarquesa, que opera um barco no Senegal e claro, muitos
italianos. De brasileiro, somente eu e um colega, o Bustamante, que trabalha em
um barco que circula entre o Caribe, Flórida e Mediterrâneo, que por sorte
estava na Itália.
O evento
começou sob um frio fora de época, pois abril já era para estar menos gelado.
No primeiro dia, circulamos em dois ônibus lotados, por vários estaleiros. A
infraestrutura disponível na região é algo estarrecedor, principalmente para
quem quase não dispõe de meios de docagem. Lá, travel-lifts de 600 Toneladas se encontra em cada esquina. Docas
secas, flutuantes, pontões e carreiras de todos os tamanhos, estão à
disposição. A cada estaleiro, ouvíamos considerações, explicações e tirávamos dúvidas
sobre as características do local. Isto sem falar em comidas e bebidas em
quantidade, afinal de contas estávamos na Itália, e se há algo sempre colocado
em primeiro lugar, isto é sempre a comida.
Sinceramente,
focaccias recheadas de Parma e tomate cereja são uma delícia, mas o Maestrale de vinte nós transmitia uma
sensação térmica de zero graus, o que tirou muito do prazer da visita.
Retornando
ao Hotel UNA em Lido Dei Camaiore, continuação para o Norte de Viareggio,
encontramos mais comida e bebida, no que chamaram de Welcome Cocktail. Afinal de contas, o expediente já havia
encerrado. Evidentemente, eventos de finalidade comercial são organizados como
tal. A bebida foi fornecida pela Hennessy, e baldes de Moet Chandon cercavam o
salão, assim como material promocional de várias empresas da região. A música
ficou por conta de um excelente grupo de Jazz, que se apresenta de forma
privada em Megayachts, e um italiano septuagenário
cantou todo repertório de Louis Armstrong, com incrível semelhança de voz. Pelo
menos, pintou um risoto para esquentar a barriga.
No segundo dia, aconteceu um Fórum, onde os Comandantes
expuseram suas dificuldades ao contratar reformas nos estaleiros, coisas
totalmente fora de nossa realidade. Devido ao clima, é normal que os barcos
façam pequenos reparos durante o inverno e o início da primavera, estas
pequenas obras podem chegar, nos barcos de maior porte, facilmente a dois
milhões de Euros. Veja que não estou falando de um refit ou rebuild, mas uma
“obrinha” de final de estação!
Os
mediadores tiveram bastante trabalho para aplacar certos ânimos, e um colega egípcio
chegou a lançar um pequeno manifesto, reclamando de taxas de retirada de lixo para
lá de abusivas, elevados custos de calefação nos galpões, que recebem barcos de
centenas de toneladas de arqueação e outras coisas bem fora de nossa realidade.
De noite,
rolou mais um jantar, desta vez em um antigo convento do século XIII, bancado
pelo Estaleiro alemão Lürsen, o problema mais uma vez foi a temperatura, pois
foi tudo servido ao ar livre e dois graus não tem graça alguma!
No terceiro
dia, o enorme salão de convenções foi coberto por mesas de trabalho, cada uma
reservada a um Capitão, com duas outras cadeiras para receber os patrocinadores
cotistas do evento. Antecipadamente, tivemos de escolher um mínimo de 25
empresas dentro das mais de cinquenta participantes, e a cada período de vinte
minutos, tocava um gongo e recebíamos uma nova dupla de “vendedores” de
serviços. Recebi empresas de comunicação satelital, fornecedores de artigos de
couro, roupas de cama, tintas, serviços mecânicos, marinas, estaleiros de
reparos, agentes e fornecedores de catering
para Iates. Realmente, no início parecia que o evento seria o que no turismo se
chama de fan tour, porém o ritmo e o
grau de exigência foi bastante alto e as cifras envolvidas deixaram bem claro,
que ali estávamos todos para trabalhar. Conversas em inglês, italiano, francês
e alemão eram ouvidas por toda parte.
Como
encerramento, após um dia bastante cansativo, jantamos no Iate Clube de
Viareggio, e me mantive fiel a meu grupo preferido de Comandantes, liderados
pelo Igor, um experiente Capitão russo de 65 anos, e dono de um curriculum
invejável. Os quase setenta comandantes participantes o elegeram nosso “Almirante”,
além dele e do Bustamante, faziam parte um Capitão esloveno bem mal-humorado,
um jovem croata de um megayacht de 43
metros, um canadense e o libanês.
No derradeiro
dia, fizemos atividades recreativas. Um grupo subiu as colinas de mármore de
Carrara (as colinas são literalmente de mármore) em veículos 4X4 e outros foram
a Lucca, conhecer sobre o maestro Puccini. No almoço, um bufê para lá de Russo,
com blinis e caviar de salmão, ostras, espumantes e claro, a tradicional italiana
focaccia com Parma e funghi.
Depois de
tantos super e mega Iates, pode parecer que fui o menor barco do evento, o que
é praticamente a verdade. Quando nas rodas de conversa, vinham as perguntas
sobre o tamanho do barco, e eu dizia que era um trawler de 90 pés, ninguém dava
muita atenção, mas quando ficavam sabendo que já havíamos estado do
Mediterrâneo duas vezes, e que tínhamos realizado as travessias, sem o auxílio
de um navio-doca, a coisa mudava de figura. Acabei percebendo que eles, por
maiores que sejam seus iates, costumam circular por perto e que suas “travessias”
não chegam a três noites de duração. Posso ter ido com o menor barco, mas
ninguém “tirou farinha” da gente!
O Gattina
tem 40.000 milhas náuticas em seu curriculum, nada mal.