Voltando vários anos atras em nossa dita “era eletrônica”,
lembramos que no passado as comunicações não eram nada parecidas com o que
tempos hoje, à nossa disposição. Como sempre falamos nos barcos, temos que o
VHF era a principal ferramenta de comunicação, e que enfrentávamos filas de
espera enormes, para conseguir uma mísera chamada a cobrar para um número fixo
em terra. Além do nome do barco e do prefixo, as estações costeiras pediam o
QRC, ou código de cobrança, para o caso da ligação ser paga pelo dono do barco.
Após aguardar horas, conseguíamos realizar uma chamada, bastante clara por
sinal, onde não somente nós participávamos da ligação, mas também quem quizesse
ouvir pelo menos um dos interlocutores... sem comentários.
Outra opção, mais utilizada quando nos afastávamos da costa,
era o SSB, do inglês Single Side Band,
também conhecido por HF no Brasil, ou Radio de Alta Frequência, derivado do
inglês Higth Frequency. Estes caros
equipamentos eram extremamente restritos a uns poucos canais, visto que ainda
utilizavam cristais para realizar a modulação de cada frequência, além de
consumir uma barbaridade de energia. Com o tempo, criaram os radios
sintetizados, que permitiam sintonizar qualquer frequência com apenas um
cristal, e também foram criados canais padronizados no mundo todo. O Brasil,
como não poderia deixar de ser, além de ter deixado de exportar os cristais que
produzíamos, acabou adotando frequências que não fazem parte do que se tornou o
padrão internacional de comunicação. Com isto, quando compramos um caro e
moderno SSB novinho, descobrimos que os Iate Clubes não operam nas frequências
padronizadas, e precisamos pagar também pelo “destravamento” das frequências,
permitindo que passemos a operar em canais, digamos, até certo ponto irregulares.
Quem já teve a oportunidade de falar em um radio destes
antigos, sabe que às vezes se consegue uma chamada muito boa, outras vezes é
como se mantivesse um diálogo com o Pato Donald. Tenho lembranças boas e ruins
destes tempos, quer seja quando tentei conversar com minha familia, na viagem
de regresso de uma ida ao Japão em um navio da Petrobras, quer seja quando meus
tripulantes falavam com o operador Flavio do ICRJ (PYE-21) todos os finais de
tarde de uma travessia de veleiro do Rio a Flórida, para saber sobre o capítulo
da novela do dia anterior, enquanto isto Salomão Hayala e Odete Roitmann
tomavam chá em algum lugar da TV, pois sinceramente não me lembro que novela
eles acompanham tão febrilmente.
Hoje, o SSB gera uma fonte de receita para os importadores e
uma fonte de apurrinhão para os donos de barcos, pois seu uso é praticamente
nulo a bordo. Proprietários de barcos mais abastados e modernos preferem
investir em um equipamento de comunicação via satélite, como o Inmarsat-C do que em um radio de
operação complicada e que sua eficiência depende da propagação de um sinal
lançado a esmo na atmosfera. É bem verdade que no exterior, os cruzeiristas
fazem um grande uso destes equipamentos, e que as chamadas “Rodas dos
Navegadores”, onde estações terrestres prestam apoio (às vezes remunerado) a
barcos que realizam longas travessias, e tem nessa rede de estações apoio para
receber boletins e previsões meteorológicas, resolver problemas mecânicos
simples, conseguir informações sobre portos e agendar possiveis reparos e peças
com antecedência. Fora isto, existe provedores que enviam mapas meteorológicos
e ainda operam caixas postais de internet via SSB, abrindo um enorme leque de
opções.
Após o advento do GMDSS, que é o atual sistema de chamada de
socorro, estes mesmos radios receberam acessórios ligados a segurança, como
interface com o GPS e o botão de chamada de socorro (Distress), que infelizmente não foi adotado por nossas autoridades.
Cabe aqui uma pequena observação, não se consegue entender o porquê do Brasil
simplesmente não cumprir certos acordos internacionais dos quais é signatário,
como o fato das estações costeiras do Brasil não possuírem equipamentos para
operar este sistema, diga-se implementado mundialmente e negligenciado por nós,
como Estado.
Voltando ao SSB, fica a dúvida, se deveríamos manter estes
equipamentos como exigência para barcos que naveguem para o Alto Mar, como
manda a Normam03, ou se deveríamos
deixá-lo como opção para os mais aventureiros, permitindo que pudéssemos
substituí-lo por uma tecnologia mais eficiente como a satelital. Não que o
custo seja menor, ainda não o é, mas tem sim, maiores possibilidades que as ditas
aleatórias frequências de radio.
O INMARSAT-C possui o tal botão Distress, mas a recepção de seu pedido de socorro, se faz por uma
rede internacional de monitoramento, que rastreia os satélites Cospas-Sarsat e
seu pedido será passado diretamente aos órgãos competentes, sem depender da boa
vontade de uma multinacional de telecomunicações, que não vê sentido em atender
assuntos de bem estar público, que não geram lucro para suas matrizes. Neste
equipamento, é possivel receber boletins de tempo, avisos de segurança, avisos
aos navegantes e ainda realizar o trekking do barco em travessias. As comunicações,
através de email também são possíveis, mas seu custo proibitivo para qualquer mensagem
que não seja realmente importante.
De certa forma, o Brasil já deixou de lado o NAVTEX, um
serviço do qual (mais uma vez) fomos signatários, e que nunca fizemos
funcionar; em troca do INMARSAT-C, pois nossas autoridades concluiram que é
melhor ter um equipamento via satelite do que algo que utiliza estações
costerias para transmissão, sendo o Brasil um dos poucos países do mundo onde
as comunicações de segurança não são prestadas por um orgão público, seja civil
ou militar. O NAVTEX traria grandes vantagens aos navegadores ditos de menor
poder aquisitivo, pois tem quase o mesmo leque de serviços, menos o
envio/recepção de mensagens, e tem um custo muito mais adequado a embarcações
de menor porte, como a quase totalidade de nossa frota pesqueira profissional,
além dos veleiros e lanchas que cruzam nosso imenso e quase inóspito litoral.
A Marinha do Brasil e a ANATEL caberia pressionar a
operadora da Rede Radio Costeira, antigamente a EMBRATEL, para que atenda ao
GMDSS, ou nos dispense de ter de adquirir equipamentos que, simplesmente não
funcionam como deveriam em nosso proprio litoral. Numa grossa comparação, de
nada adianta chamar pelo apito, se o vigilante é surdo!